Ele ergueu-se na minha frente, enorme. Escuro como a sombra, o penteado jamaicano aureolando uma face de gárgula: “Dá-me dois euros!” – ordenou.
Olhei em volta e vi uma paragem de autocarro a uns escassos cinco metros, com alguns pares de olhos postos em nós. Olhos imóveis, mãos e pés imóveis, que por nada se moveriam.
Fixei os olhos que me fitavam de perto, abri o porta-moedas e tirei um euro, que estendi. “Eu disse DOIS euros” – a voz crescera. Pensei: “vou levar um estalo, calma...”
Abri de novo o porta-moedas, estendi-lho e mostrei o conteúdo, pausadamente, com a tal calma que aconselhara a mim própria: “Só tenho outras moedas todas pequenas, ora vê...” Ele esticou o dedo, remexeu, constatou a verdade do que eu dizia e condescendeu “Tá bem, então...” – e deixou-me partir sem mais, quase com cumplicidade.
“Ao que a gente chegou”, pensei enquanto caminhava, perplexa...Mas não pude deixar de sorrir: devo ter ‘cara de parva’: há semanas, na Baixa de Lisboa, uma idosa estendeu-me a mão e disse-me sem rodeios: “dê-me tudo o que puder!...” Algum tempo depois, em Campo de Ourique, um homem pediu-me que lhe pagasse o almoço; contribuí e ele comentou de mão aberta: “não chega...eras capaz de almoçar só com isto?” Claro que não, de facto, e acrescentei mais um tanto.... Agora vem este e conta as moedas que trago comigo...
Pai Santo: neste mundo de sombras, qual a fronteira entre a partilha do Teu Amor e a cedência à chantagem, a exposição ao perigo?
“Filha de pouca fé,
Olhei em volta e vi uma paragem de autocarro a uns escassos cinco metros, com alguns pares de olhos postos em nós. Olhos imóveis, mãos e pés imóveis, que por nada se moveriam.
Fixei os olhos que me fitavam de perto, abri o porta-moedas e tirei um euro, que estendi. “Eu disse DOIS euros” – a voz crescera. Pensei: “vou levar um estalo, calma...”
Abri de novo o porta-moedas, estendi-lho e mostrei o conteúdo, pausadamente, com a tal calma que aconselhara a mim própria: “Só tenho outras moedas todas pequenas, ora vê...” Ele esticou o dedo, remexeu, constatou a verdade do que eu dizia e condescendeu “Tá bem, então...” – e deixou-me partir sem mais, quase com cumplicidade.
“Ao que a gente chegou”, pensei enquanto caminhava, perplexa...Mas não pude deixar de sorrir: devo ter ‘cara de parva’: há semanas, na Baixa de Lisboa, uma idosa estendeu-me a mão e disse-me sem rodeios: “dê-me tudo o que puder!...” Algum tempo depois, em Campo de Ourique, um homem pediu-me que lhe pagasse o almoço; contribuí e ele comentou de mão aberta: “não chega...eras capaz de almoçar só com isto?” Claro que não, de facto, e acrescentei mais um tanto.... Agora vem este e conta as moedas que trago comigo...
Pai Santo: neste mundo de sombras, qual a fronteira entre a partilha do Teu Amor e a cedência à chantagem, a exposição ao perigo?
“Filha de pouca fé,
...ainda não deste a última moeda que trazes contigo e sempre te sobrou, sempre se multiplicou, como outrora os pães e os peixes. Que mais queres? Porque duvidas da carência dos desesperados que vagueiam? Mais vale dar a quem não precisa, do que negar a quem necessita... E porque receias? A fronteira que buscas conhecer está inscrita no teu coração: a Paz pertence ao Amor, o medo não pertence. Pergunta-te: qual dos dois ficou em ti? O medo? A Paz? A Paz tem a frescura de água, da minha água. Ficaste em Paz? Então que isso te baste...”