Abba,
Na pobreza da noite da cidade, quase despida de estrelas pelo brilho do néon, os meus olhos cansados procuram vislumbrar a via láctea, como um rasto de grãos de milho, derramados por amor dos famintos através do rasgão que fizémos no saco sem fundo da tua misericórdia...
Na Lua ausente ou encoberta pelos telhados altos, invento a imagem de um pão redondo e cheio, que mesmo quando mingua deixa a certeza de voltar a ser inteiro e para todos, por igual...
Nesta hora do sono que não vem, o coração vigia e bate no peito, contrito, porque sabe muito das dores e pouco dos remédios e os ouvidos, moucos do ruído, não conseguem deixar de repicar o eco dos noticiários densos, de mistura com os roncos crescentes da fome de milhões, lá longe, muito longe, mais perto, aqui tão perto, mesmo ao lado, talvez...
Sinto-me perdida, Abba... esta voz roufenha é a voz sincera da minha impotência, cheia de vontade de abraçar o mundo, mas paralisada nas boas intenções que não matam a fome a ninguém - nem a de quem não come, nem a de quem come com o sentimento de culpa por ter comido......
“ Filha amada,
Não leste o que teu irmão escreveu?
Ontem e sempre, outros sofreram como hoje muitos sofrem. Antes de ti, multidões imensas se viram perdidas nessa dor que sentes, mas ele confiou em mim e disse:
‘A tua misericórdia, Senhor, está nos céus, e a tua fidelidade chega até às mais excelsas núvens. A tua justiça é como as grandes montanhas; os teus juizos um grande abismo. Senhor, tu conservas os homens e os animais. Quão preciosa é, ó Deus, a tua benignidade, pelo que os filhos dos homens se abrigam à sombra das tuas asas.” (Sl 36, 5-7).
Confia, pois, que eu suprirei a tua fraqueza, serás meu instrumento, minhas mãos de carne. Faz tudo o que estiver ao teu alcance e confia...confia demoradamente, abandonadamente... sempre e sempre... e na noite escura verás a Alvorada “